“LAVA-PÉS” NA VERSÃO DOS POBRES ANGOLANOS

Por falta de emprego, vários jovens e mulheres oferecem-se para lavar os pés ou cobrir os pés dos que frequentam o mercado do Kikolo, município de Cacuaco, com “sacos plásticos pretos” por 100 a 200 Kwanzas. Na religião católica, o “lava-pés” é uma cerimónia em que se lava os pés aos… pobres (na Quinta-Feira Santa).

Por Geraldo José Letras

Sempre que chove na província de Luanda, a lama mal cheirosa e as águas paradas tornam difícil o acesso e a circulação pelo mercado do Kikolo que não tem em toda a sua extensão o terreno pavimentado.

E para minimizar as dificuldades dos populares que procuram ter acesso e circular pelo interior daquele espaço mercantil, vários são os jovens que, com “sacos plásticos pretos” e fita cola na mão, se posicionam em locais de acesso ao mercado para cobrar 100 Kwanzas para cobrir os pés dos fregueses que queiram ter acesso ao interior do mercado sem sujar os calçados com a lama ou molhar-se com as águas paradas que formam charcos pelas ruas do local.

Para os populares que estejam a sair do interior do mercado com os calçados e pés sujos de lama, várias são as mulheres que se posicionam em locais de muita movimentação com banheiras, detergentes, escovas e toalhas para lavar os pés dos que não queiram andar sujos de lama mal cheirosa, cobrando de 100 a 200 kwanzas pelos seus serviços.

Ouvidos pela reportagem do Folha 8, as mulheres e jovens justificam o exercício da actividade no mercado do Kikolo por falta de emprego e pela necessidade de sustentar as suas famílias e os estudos.

O trabalho de lavar os pés, bem como o de cobrir os pés dos populares é bastante lucrativa, consideraram os nossos entrevistados ao revelar que conseguem terminar o dia com um lucro acumulado de 1.000 a 3.000 Kwanzas. Só lamentam os comentários ofensivos que vão ouvindo de alguns automobilistas que se mostram contra a realização da actividade de lavagem dos pés alegando que “estão a estragar as vias com as águas da lavagem dos pés”.

Aos 15 anos, o munícipe Tony, disse que trabalha no mercado do Kikolo há mais de dois anos, “só quando chega a época chuvosa, “fita-colando” os pés dos que vêem fazer compra ou vender no Kikolo”.

“Quando chove em Cacuaco, eu e os meus amigos vamos comprar sacos plásticos preto e fita cola e ficamos junto às paragens dos motoqueiros e taxistas à espera das pessoas para cobrir os pés delas. Cobramos só 100 Kwanzas”, explicou Erineu Neto, jovem de 18 anos.

No sector da lavagem dos pés a cidadã de 46 anos, mana Jú, como preferiu se identificar, disse que a partir das cinco horas ela e as colegas se fixam em áreas com muito movimento de pessoas para as persuadir a aceitar lavar os pés e os calçados por 100 a 200 kwanzas.

“A água que usamos compramos nas estações de serviço ou trazemos das nossas casas, o como compramos dias antes. A banheira, a toalha e a escova, umas trazem de casa, as outras deixam no processo”, esclareceu ao Folha 8.

Num contexto religioso, mais ou menos cristão, o “lava-pés” é um rito religioso observado por diversas denominações cristãs e é baseado no relato de João que menciona Jesus realizando-o durante a Última Ceia, a cerimónia é realizada na Quinta-Feira Santa da Semana Santa.

Recorde-se que o Governo do MPLA, há 48 anos no Poder, considera que taxa de desemprego em Angola continua em queda e que “são muito animadores”, mas – acrescenta – “não conforta e constituem um grande desafio”. Finalmente o Presidente João Lourenço explicou que nunca falou na criação de 500 mil empregos. Falou, isso sim, de 500 mil em pregos. As nossas desculpas, excelência!…

O Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) em Angola diz que a pobreza multidimensional no país está centrada na educação, saúde, qualidade de vida e emprego, defendendo uma aposta no investimento, inovação e protecção. Ou seja… está em tudo.

As dificuldades no acesso aos serviços primários de saúde, educação, energia eléctrica e fornecimento de água potável, referiu o PNUD, continuam a ter impacto nas populações.

O economista do PNUD, Lorenzo Mancini, defendeu que o investimento, a inovação e a protecção devem ser o caminho a seguir por Angola para a melhoria do seu Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), tendo enaltecido algumas acções das autoridades angolanas nesse domínio.

Lorenzo Mancini, quando apresentou que o Relatório de Desenvolvimento Humano 2021, num encontro promovido, em Luanda, pelo PNUD em parceria com o Ministério da Economia e Planeamento de Angola, defendeu abordagens sólidas para a promoção do desenvolvimento humano em Angola.

Sobre a saúde, exemplificou a problemática da malária em Angola, principal causa de mortes e de internamentos dos pobres nos hospitais angolanos (os dirigentes até as bitacaias tratam no estrangeiro), considerando que o combate da doença deve ser sistémico.

“Com atenção aos cuidados primários de saúde, a nutrição e o saneamento básico. É preciso uma forma sistémica para se erradicar a malária e não apenas matar o mosquito”, realçou.

Em relação ao eixo da protecção, o responsável elencou as políticas macro-prudenciais, protecção social, acesso aos serviços sociais, protecção dos direitos humanos e a remoção de barreiras para a participação como acções que devem ser desenvolvidas em Angola.

Para o especialista do PNUD, o planeamento, o financiamento e os Objectivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) são mecanismos que devem servir para financiar o desenvolvimento nacional.

Abordagem sistémica e multidimensional, resiliência às alterações climáticas, investimento, inovação, protecção e financiamento são os pressupostos que, no entender de Lorenzo Mancini, devem ser materializados.

Artigos Relacionados

Leave a Comment